É provável que este seja o “blog post” mais complexo desde que comecei “As Crónicas de Balazanar”. As razões são várias, nomeadamente o facto de ter sido uma sessão excessivamente extensa, com uma vaga non-stop de história a desenrolar em catadupa, e o facto de eu ter ficado com sentimentos mistos em relação à sessão.
Assim, vou de certa forma tentar escrever algo coerente que me permita dissertar sobre as razões que me levam a achar que esta foi “uma das melhores sessões que tivemos”, e ao mesmo tempo “uma das piores sessões que tivemos”.
Suficientemente confuso?
Ora bem, o desafio começou com o: “uma semana, uma sessão”. O repto lançado pelo Alex despertou-me o interesse. De facto, era muito interessante pensar nesta abordagem. Se era possível? Eu tinha as minhas dúvidas... Havia muita coisa para resolver, e uma sessão soava-me a muito pouco. Mas havia que tentar.
Depois da “experiência narrativa” do Conselho na sessão anterior, havia muito pouco tempo para me preparar entre as duas sessões, tendo em conta que os resultados do Conselho eram completamente imprevisíveis. Foi uma sorte ter calhado numa altura em que tive alguns dias de férias para preparar os cenários.
Um dos princípios que eu estabeleci para que a “semana” fosse interessante era a existência de uma lista de acontecimentos que seriam despoletados em alturas predeterminadas, independentemente do local em que o grupo se encontrasse. Assim, era certo que no 2º dia os goblins chegavam a Sundabar, no 4º dia o Näsica era raptado, no 5º havia “algo que provocaria uma tremenda onda de choque” e etc. Creio que este tipo de pensamento é crucial para uma campanha viva, e que não está parada à espera que os heróis apareçam para as coisas acontecerem, o que a tornaria bastante “falsificada”.
» Pelo Melhor:
Não é muito fácil ter a sorte de, num enredo tão complexo como aquele em que se passa a nossa campanha, as coisas acontecerem numa altura de stress colossal, precipitando a ocorrência de uma série de eventos que individualmente teriam o seu interesse, mas que ao ocorrerem todos em simultâneo fazem de uma “mera” história de role-play um desafio considerável. Quando eu desenvolvi “A Balada de Firenostril” nunca me passou pela cabeça que esta seria desvendada num momento em que O Pacto dos Silver Marches havia caído, que um exército de anões marchava em direcção a Everlund, e que o “quebra-cabeças” ocorreria no preciso dia em que a cidade era varrida por um “tsunami”.
É impossível meter tanta história numa sessão como foi o caso desta. A velocidade com que os eventos decorreram foi alucinante. Quest atrás de quest, NPC atrás de NPC, uma verdadeira corrida contra o tempo para conseguir atingir um objectivo com uma dificuldade bastante séria. Mas é disto que são feitas as grandes histórias de D&D!
O ritmo da sessão foi de adrenalina pura, e dificilmente se consegue repetir uma sessão assim.
Mais do que ligar os pontos que levam a uma grande história, o verdadeiro desafio de um DM é conseguir que as personagens dos jogadores sejam os verdadeiros astros da campanha. E esta foi a minha grande vitória. Nesta sessão, mais do que em qualquer outra, foi possível ver a dimensão e o peso que cada uma das personagens tem. Esta não é a campanha do PC abc que anda com “o resto da party às costas”, mas sim uma campanha onde cada uma das personagens consegue ter visibilidade, sucesso, insucesso, boas decisões, más decisões, e com isso ser bastante mais do que uma série de números e estatísticas numa folha.
» Pelo Pior:
Uma campanha baseada na história, que se desenrola ao longo de dois anos, tem demasiado enredo, demasiadas personagens, demasiada informação. Quando inicialmente era apenas “a cidade de Scornubel” com o clérigo de Moradin e mais 4 ou 5 NPC era fácil gerir “o mundo”. Quando passam a ser 10 cidades, com algumas dezenas de NPC... é impossível gerir. Eu próprio confesso a dificuldade que estou a enfrentar de me lembrar de “quem é quem” e “quem disse o quê”. Aos poucos já me fui perdendo, e parece-me que os NPC que outrora eram cheios de vida e identidade, neste momento começam ser “debitadores unidimensionais” de informação.
Igualmente fraca foi a resolução d’A Balada de Firenostril. Foi mais de um ano a criar suspense e a fomentar o mito e a lenda de Firenostril e da enigmática Balada. Infelizmente, esta acabou por cair na pior altura possível. Uma altura em que um grupo vem de várias horas de roleplay sobre pressão, cheio de adrenalina, numa corrida desenfreada contra o tempo. Nesse preciso momento, o ritmo é quebrado para resolver uma série de enigmas e puzzles. Isto foi, infelizmente, o Pior da Sessão. Não só o desvendar do segredo acabou por destruir o ímpeto da sessão, como acabou por ser algo sem qualquer sabor. Para quem escreve os enigmas, as respostas muitas vezes são óbvias, mas para quem os tenta resolver, por vezes a coisa torna-se aborrecida ao máximo. Este foi o caso. Ninguém estava com vontade de “parar e pensar” sobre a resolução de um enigma complexo quando tudo o que importava era correr para tentar de alguma forma travar a guerra. Aliado a isto, o facto de haver uma data de coincidências nos mapas não ajudou em nada. Sim, foi por mera coincidência que havia 11 torres, 11 deuses e 11 azenhas e 11 anéis ao barulho. É muito interessante, mas foi no pior timing possível. Isto levou-me a ter que fazer alguma batota e a “facilitar” o desvendar d’A Balada. Fiquei triste por esta ter passado como “um mero obstáculo ao progresso” e não poder ter sido o processo normal que eu inicialmente tinha pensado que levaria o grupo a interagir com várias pessoas e locais e aos poucos ir desvendando os segredos da história de Firenostril, e assim completar os enigmas.
Outro aspecto menos bom da sessão foi a sua duração. É muito entusiasmante fazer maratonas de D&D, mas a partir de certo momento, o cansaço começa a interferir com o jogo. Eu devia ter parado a sessão no momento em que foi descoberta a localização da fortaleza de Firenostril, mas via o pessoal de tal forma “on fire” para continuar que acabei por “ceder”. Isto veio a prejudicar seriamente o resultado. A entrada em Khundrukar tinha que ser algo difícil. Que fortaleza é esta? Quem é que a ocupa neste momento? De que forma é que isto se liga a tantas das coisas que estão a ocorrer na campanha? Além do mais, eu esperava que este fosse um dos momentos épicos da campanha: finalmente o encontro com Q.M.
Qamara Moonblade era a primeira badass da campanha. Esta não era uma mera NPC a matar, a apanhar o tesouro e seguir em frente. Esta era uma boss. E uma boss que estava bem protegida, e que iria fazer a party passar pelas passas do Algarve para a conseguir vencer. Mas, infelizmente, apenas três personagens entraram em Khundrukar. Isto obrigou-me a retirar grande parte dos desafios que havia para vencer, tendo que “estragar” o mito e o hype que ao longo de um ano se foi criando. Em vez de ser a fortaleza cheia de armadilhas e bichos fortes, ficou reduzido a uma barda, com uma mão cheia de succubi e duergars de nível 1...
Entendam que do ponto de vista de DM isto é manifestamente redutor... Isto é um daqueles momentos “scenario failed: no load game available”.
Sim, é muito mau que o encontro com “um dos big badasses” da campanha seja reduzido a: “vocês passam por uma série de galerias... e salas sem nada... não há nada para fazer... errrr... matam cinco duergars de nível 1... e... olhem, bem, pronto... vamos ao boss...”
E para piorar as coisas, a luta com o boss corre muito mal, e as personagens falham...
Eu não podia reduzir as coisas ainda mais. Falsifiquei de todas as formas possíveis e imaginárias os efeitos das succubi. Não os usei conforme mandam as regras, fiz o mínimo dos mínimos, mas sem haver spellcasting power na party, era impossível dar a volta ao que aconteceu.
O Jack estava protegido das succubi (por razões que nem ele próprio conhece), mas por ser rogue e por não ser good, era completamente inofensivo contra elas. O Lithlandis tinha o will save mais baixo, e a partir do momento em que uma das succubi conseguisse “ultrapassá-lo”... Restava o Sid, a personagem mais forte das três, mas que sozinho contra tudo o resto não conseguiria resolver a situação por si só.
A dada altura tive que começar a fazer contas. Só havia duas soluções possíveis: ou um TPK virtual, ou uma situação em que capturava os três, mantendo-os controlados pelo domínio mental das succubi (o que era uma solução muito má, pois ninguém os conseguiria resgatar, e acabava por cair numa situação de “party dividida em duas zonas completamente distintas”, e não era plausível dizer: bem, os mauzões capturaram-vos, mas colocaram-vos numa cela muito fraquinha, à qual o Jack consegue fazer lock pick sem grande esforço, ou então o Sid e o Lithlandis conseguem rebentar a porta).
Era uma situação “lose-lose”. Serve para, de futuro, saber parar mesmo contra os protestos dos jogadores.
Do mal o menos, a situação que acabou por figurar veio a ser a melhor possível. Acaba por dar ao grupo “uma lição”, e mostrar que “há gente muito poderosa pela frente”, e a nível de desenvolvimento conceptual do Lithlandis, fica excelente para o seu background o facto de ser capturado e torturado pelos inimigos que há tanto deseja matar.
E é um pouco por isto que esta sessão foi “uma das melhores” e em simultâneo “uma das piores”. Longe do que alguns agoirentos diziam no final da mesma, a campanha não está nem de perto perdida, muito pelo contrário! Foi completamente relançada. Perder também faz parte do roleplay: só torna a vitória final mais grandiosa.
» O Momento da Sessão:
Everlund está à beira do colapso. Há notícias de um exército de anões que marcha para Sul, muito provavelmente em direcção às suas muralhas. Os elfos preparam-se para o exílio reunindo-se junto ao templo de Corellon. A cidade é atingida por uma onda gigante que provoca inúmeros mortos e destrói grande parte da zona junto ao rio. No meio de toda esta desolação, Sid, Jack e Lithalndis percorrem o rio num barco em forma de patinho...
IMPAGÁVEL!
» Nota da Sessão:
Silverymoon/Mithral Hall – 18/19, porque 75% da semana foi intensamente vivida, com muito e bom roleplay num ritmo frenético, sempre a antever uma desgraça que parece imparável, e que dificilmente se consegue criar uma campanha.
Everlund/Balada – 8/9, foi manifestamente mau, pelas razões acima enumeradas.
Khundrukar – 10/11, safou-se ligeiramente pelo momento de mistério conseguido com o esqueleto do Great Wyrm e a ilusão da Yeshelné, mas “tudo o que deveria ter sido Khundrukar” acabou por não o ser. Cruzo os dedos para que no “rematch” seja possível melhorar o resultado.
» Lições e Considerações:
Win some, lose some. Não é possível que as coisas corram sempre de feição. No fundo, no fundo, acho que a grande dimensão desta sessão acaba por ser a elevação da Q.M. como “a grande vilã da campanha”. Neste momento, mais do que o próprio Olothontor, foi ela quem perseguiu, atacou, e fez sangrar o grupo. Mais uma confissão: quando ela desapareceu com o livro, ainda na primeira campanha, era para nem sequer voltar a aparecer. Mas a obsessão do grupo com “a puta da barda que temos que matar” fez-me redesenhar a história e desenvolver Qamara Moonblade como aliada de Olothontor. Mais do que qualquer outra personagem, é esta “a antítese da party”.